Mídia & Poder, 2007
Por Alzimar Rodrigues Ramalho1
Abril de 2007. Últimos capítulos da minissérie “Amazônia”, da Rede Globo de Televisão. O personagem de Chico Mendes, no momento do nascimento de sua filha, diz para sua mulher Ilzamar que vai dar o nome de Helenira à filha que acaba de nascer, em homenagem a uma mulher guerreira, que lutou pela liberdade no Brasil. Um nome que traz como significações bravura e justiça. Apesar da lembrança em rede nacional, contam-se nos dedos os nomes de pessoas que sabem quem foi Helenira. Até mesmo na cidade onde viveu grande parte da sua vida.
29 de setembro de 1972. Morre no Pará Helenira Resende de Souza Nazareth. No Araguaia era “Fátima”, “Preta” ou “Rosa”. Guerrilheira, alegre, destemida. Até hoje não foram localizados seus restos mortais. É apenas um nome nos documentos oficiais e uma lembrança carinhosa no coração de quem conviveu com ela.
11 de janeiro de 1944. Nasce de parto normal feito pelo próprio pai, na casa da família em Cerqueira Cesar (SP), a “Nira” — caçula das seis filhas de dona Euthália e do Dr. Adalberto de Assis Nazareth, o “médico dos pobres”, baiano que antes de estudar medicina tinha sido marceneiro como o pai, e grande conhecedor do marxismo. Foi também jornalista, tendo fundado e dirigido o jornal “A Semana” de Cerqueira César (SP). Quatro anos depois a família mudou-se para Assis (SP), pois além de garantir a continuidade do estudo das filhas, o dr. Adalberto já sentia-se perseguido pelos políticos e religiosos daquela cidade, pois em 47 havia sido candidato a vereador pelo Partido Comunista.
A menina feliz, que desde criança já gostava de viver diversos personagens nas brincadeiras de circo que organizava no quintal de casa; que já lutava por seus ideais como líder do grêmio como estudante secundarista; que já demonstrava seu espírito de equipe como pivô da seleção de basquete da cidade; que já antecipava sua determinação pelo ativismo político ao ser quase detida por participar de uma passeata dos ferroviários; que aproveitou um ano de pneumonia para se aprofundar nas leituras marxistas; que passou a viver mais de perto a política no “Cursinho do Grêmio” da USP em 1964; que assumiu a presidência do Centro de Letras da FFCL no ano seguinte; que começou a participar de reuniões da JUC (Juventude Universitária Católica), depois da Ação Popular (AP) e posteriormente ingressou no Partido Comunista do Brasil (PC do B); que conheceu o gosto amargo da repressão a partir de 1967 e 1968, com prisões pelo DOPS (Departamento de Organização Política e Social) sendo fichada como “ativa fanática em subversão e filha de um ativo comunista”; que foi novamente presa em 1968, no 30º Congresso Estudantil promovido pela UNE (União Nacional dos Estudantes) em Ibiúna (SP); que driblou a morte por ter sido solta do Carandiru, onde permaneceu por dois meses, um dia antes da edição do AI-5 (Ato Institucional nº 5); que a partir de então passou a viver na clandestinidade.
A notícia, sete anos depois
Em Assis, a notícia foi divulgada no dia 8 de fevereiro de 1979, quase sete anos depois de ter sido morta a baionetadas no Araguaia, após atirar no peito de um soldado enquanto outro a metralhava nas pernas, por ter se negado a dar informações sobre seus companheiros. Muitos sabiam que ela estava foragida, mas não morta. A notícia abalou a cidade.
As informações foram apuradas pelo jornalista Júlio Cezar Garcia, que na época era jornalista da Editora Abril em São Paulo, e teve acesso por meio do então ex-combatente do Araguaia, José Genoíno, sua principal fonte. Sabia-se que ela era filiada ao PC do B, mas ninguém tinha conhecimento do grau de seu envolvimento.
Júlio Garcia, que hoje é repórter do jornal Diário da Região (São José do Rio Preto-SP), conta que soube da morte de Helenira por volta de 1976, mas não conseguiu confirmar. Das informações obtidas com José Genoíno, no final de 1978, até a publicação da reportagem, foram cerca de quatro meses para romper as resistências. Apesar do processo de abertura política que o País vivia, muitos ainda tinham medo de tratar de um tema tão delicado.
A publicação da reportagem “A comovente história de Helenira”, no jornal “Voz da Terra” de Assis, foi uma revelação. Como ironiza o também jornalista Roberto Silo, “a cidade não sabia que havia a guerrilha, muito menos que havia acabado”. A reportagem de Júlio Garcia foi além do épico, revelando todo o contexto que envolvia a personagem e — principalmente — apresentando para a cidade os horrores da ditadura. A tiragem de 11.500 exemplares do Jornal “Voz da Terra” esgotou-se. Considerando quatro leitores por exemplar, a história chegou a 50 mil pessoas — quase 80% da população da época.
Mas, no dia seguinte, nenhuma linha. Nem no editorial, ou na coluna do leitor, nenhum artigo, nada. Silêncio. O editor-chefe, Eli Elias, explica que o motivo foi o medo. Outros assisenses também haviam sido perseguidos, alguns detidos. Apesar de o jornal não ter sofrido qualquer represália, permanecia o receio de tocar no assunto, ainda considerado proibido. Mas lembra que, verbalmente, a cidade manifestou apoio pela coragem da publicação.
Jornalismo tem uma queda especial por efemérides, datas cheias são sempre motivo de retomada. Em 29 de setembro de 2002, nenhuma linha. 30 anos de morte. A explicação: não havia fato novo.
29 de setembro de 2007 também pode ser emblemático: 35 anos de desaparecimento. Quem sabe Helenira mereça alguns segundos no rádio ou na TV, algumas linhas nos jornais impressos ou online. Com ou sem um fato novo. Nenhuma novidade também pode ser notícia. Ou não?
Fontes:
ELIAS, Eli. Entrevista pessoal realizada em 03 de maio de 2007.
GARCIA, Júlio Cezar. A comovente história de HELENIRA. Jornal Voz da Terra – Assis (SP) 8 de fevereiro de 1979, pp. 4-5.
GARCIA, Júlio Cezar. Entrevista pessoal realizada em 16 de abril de 2007.
MEGA, Natalie Maluf. Memórias sobre Helenira. Fundação Educacional do Município de Assis — FEMA: Assis, 2006. 62p. Monografia de conclusão do curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo.
SILO, Roberto. Entrevista pessoal realizada em 05 de abril de 2007.