Memória: há 30 anos, polícia invadia a PUC-SP e espancava estudantes

Portal do PSTU, 21/9/2007 23:55:00
Por Luciana Candido

No dia 22 de setembro de 1977 — há exatos 30 anos — cenas grotescas de repressão passaram diante dos olhos de uma sociedade que acreditava viver o início de uma abertura política. Cerca de 900 homens da polícia política do general Ernesto Geisel, presidente da República, e da Polícia Militar de São Paulo invadiam o campus da PUC de São Paulo para reprimir uma manifestação estudantil, comandados pelo então secretário estadual de Segurança Pública, coronel Erasmo Dias.

Na tarde do dia 22, uma reunião clandestina dentro da PUC havia dado o pontapé inicial para a reorganização da União Nacional dos Estudantes (UNE), fundando a Comissão Pró-UNE. Um ato foi marcado para a noite. Dentre os relatos, alguns dizem que era para comemorar a reorganização da UNE. Outros afirmam que era em repúdio a prisões ocorridas no dia anterior. Na verdade, era uma combinação de tudo isso. O motivo central, sejam quais tenham sido as motivações, era enfrentar a ditadura militar. Para isso, mais de duas mil pessoas se juntaram em frente ao Tuca, o Teatro da PUC-SP.

“Era um ato pela liberdade de algumas pessoas que estavam presas na época, na rua, em frente ao Tuca”, conta Cristina Salay, estudante de Física da PUC e militante da Liga Operária na época. “Invadiram com a Tropa de choque pelos dois lados forçando os estudantes a entrarem para a faculdade. Eles jogaram bombas, invadiram completamente a faculdade, entraram em salas de aula, nos diretórios acadêmicos, destruíram vários diretórios acadêmicos. Muita gente saiu ferida, inclusive uma amiga minha, Cristina também, ficou gravemente ferida por causa de uma bomba que estourou perto dela”, relata.

A outra Cristina — Maria Cristina Raduan — era também militante da Liga Operária e estudante de Ciências Sociais. Em entrevista ao jornal laboratório da PUC-SP, o Contraponto, ela contou que a bomba caíra ao lado de seu rosto. “Eu não conseguia levantar, desmaiei e quando acordei estava queimada, com a blusa e a calça pegando fogo”, disse Cristina. Além dela, outras três estudantes ficaram gravemente feridas: Graziela Eugenio Augusto, Iria Visona e Maria Virgínia Finzetto.

Erasmo Dias, em entrevista ao Contraponto em abril de 2007, falou, cinicamente, que só usava gás lacrimogêneo. Ele justificou os graves ferimentos das meninas: “ali a rua é muito pequena, a Monte Alegre é muito estreita e mulher não sabe fugir. E mulher usava calcinha e sutiã de nylon, a fumaça do gás lacrimogêneo é quente pra burro. Resultado: queimou lá umas sete, oito meninas”.

Os militantes acreditaram que a polícia não invadiria uma universidade. No caso da PUC, havia um motivo a mais para criar esta ilusão: era uma instituição da Igreja Católica. O episódio provou que as forças repressivas do Estado não reconhecem este “respeito” quando não lhes interessa. A polícia entrou na universidade, espancando alunos, professores e funcionários com cacetetes (alguns elétricos) e jogando bombas de fósforo, uma arma de guerra. O patrimônio da instituição foi destruído pelas forças repressivas que entraram quebrando tudo o que viam pela frente.

Luís Carlos Prates, o “Mancha”, estudava Engenharia na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) e era membro do DCE e do Comitê Pró-UNE. Ele estava representando a Liga Operária na reunião clandestina. “Ao chegar a polícia, os estudantes se refugiaram dentro do campus, e eles invadiram o campus arbitrariamente, fizeram um corredor polonês e levaram todos presos. Todos os estudantes indiscriminadamente foram presos. Eles alegavam que era a época do regime militar e que a gente estava fazendo um ato subversivo”, conta.

O saldo foram quase mil estudantes detidos, considerando toda a ação, desde o dia anterior. As pessoas foram levadas em cerca de vinte ônibus da PM para o batalhão Tobias de Aguiar. Após uma seleção, aproximadamente 80 estudantes foram encaminhados ao Dops e indiciados pela Lei de Segurança Nacional (LSN).

O sociólogo José Welmovick estudava na Unicamp e, como milhares de outros estudantes, estava em São Paulo para o Encontro Nacional de Estudantes que refundaria a UNE. Ele não estava presente no momento da invasão da PUC, pois havia sido preso um dia antes.

Ele conta: “Foi chamado um encontro para reorganizar a UNE e a repressão sabia. Como estava marcado para o campus do Butantã [USP], fecharam todas as entradas do Butantã. Então, o comando das entidades que estavam organizando, incluindo as forças de esquerda, primeiro deu a linha de reunir no Caoc [Centro Acadêmico Osvaldo Cruz] da Medicina da USP, ali na Dr. Arnaldo. A gente foi para lá. Só que eles resolveram também cercar o Caoc. Havia uma discussão polêmica interna do movimento se fazia ou não fazia [o encontro] apesar de não estarem todas as forças lá. E a qualquer momento, entraria a repressão. Houve uma polêmica, mas se resolveu ficar. Houve uma divisão, inclusive, no final, e os setores que estavam contra fundar a UNE ali articularam uma nova reunião, aí já clandestina, dentro da PUC. Todo mundo que estava na Medicina foi preso e ficou preso. Só foi solto no dia seguinte, quando já estava rolando o outro encontro.”

A ação descabida e desproporcional da repressão levou a indignação às ruas. A sociedade clamava o fim da ditadura e não se omitiu diante da selvageria na PUC. No dia seguinte, houve uma reação grande nas universidades e passeatas. Os presos que foram enquadrados na LSN acabaram sendo soltos no dia 23 diante das inúmeras manifestações que pipocaram pelo país inteiro.

Unless otherwise stated, the content of this page is licensed under Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivs 3.0 License