PT: Assembléia Permanente, 12 jun 2007
Depoimento de um ex-morador do CRUSP (1964-68) sobre como era o CRUSP na década de 60 e sobre como está o CRUSP hoje.
- Depoente: Walter da Silva
Nada melhor do que um testemunho para configurar a atuação dos tucanos na Universidade de São Paulo. Fui morador do Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo no período de 1964 a 1968, quando saímos de lá, presos. Em 1964, os alojamentos que serviram para os atletas dos Jogos Pan Americanos de 1963 em São Paulo, foram ocupados pelos estudantes que residiam no interior do Estado e em outros estados da federação. A Universidade se preocupou em regularizar e organizar o funcionamento do CRUSP, através do antigo ISSU (hoje COSEAS). A administração ficou a cargo do então Paula Souza, cujo nome foi dado às atuais FATECs.
Naquela época a Cidade Universitária era como um sítio dentro da cidade de São Paulo. Vivíamos isolados, com transporte precário e sem meios de comunicação. No entanto, os estudantes se organizaram, Foi criada a Associação Rafael Kauhan, com departamento social, cultural e esportivo. Eu era o Diretor do Departamento de Esportes, havia criado a Volta da Cidade Universitária e fazia parte do time de futebol de campo e da seleção de futebol de salão do CRUSP.
O Departamento Cultural tinha um grupo teatral, cujas apresentações satirizavam os militares e desafiavam a ditadura. O restaurante era industrial e ocupava a maior parte do Centro de Vivência. Sobrava espaço para a lanchonete (administrada pelos estudantes) e uma área destinada aos bailes e às apresentações teatrais. No enorme espaço de lazer concentravam-se as reuniões e as assembléias dos cruspianos.
Certa vez, fizemos greve geral contra o restaurante, após uma disenteria coletiva. Os alunos da geologia (alameda Glete) complementavam nossas refeições, que passaram a ser feitas pelos estudantes, no fogão da lanchonete. Pois bem, numa madrugada do mês de julho o então comandante Paula Souza chegou no CRUSP, acompanhado da Polícia Militar, para a retirada do fogão. Os estudantes desceram dos apartamentos (4:30 horas da manhã) e acompanharam a retirada do fogão, ao som do Hino Nacional. Quando, de repente, um brucutu investiu sobre os cruspianos, atolando no gramado entre os prédios. Não passou meia hora do episódio, todos já haviam voltados para as suas camas, quando apareceu a tropa de choque. Os policiais subiram nos prédios, arrombando as portas e desceram o cassetete em todos os cruspianos, retirado à força de suas camas.
Esse episódio serve para ilustrar a vivência no período da ditadura, em que tal fato não teve uma linha sequer publicada nos jornais. Naquele período, o Zé Dirceu estava sempre por lá. Colegas nossos, como o Lauriberto, o Jeová, o Arantes e outros, estiveram juntos com o Zé Dirceu e o Zaratini no exílio de Cuba. Dois deles voltaram antes e foram metralhados aqui em São Paulo. Enfim, o CRUSP foi uma resistência contra a ditadura. Ali conviviam alunos de outros países sul americanos, de outros estados e, principalmente, do interior de nosso estado. Foi uma verdadeira integração universitária, a ponto de um Diretor do ISSU (Dr. Irineu Strenger, Professor de Direito Internacional da São Francisco), anos após o fechamento do CRUSP, reconhecer que o CRUSP havia sido a melhor coisa que a Universidade criara nos últimos tempos.
A Ditadura só fechou o CRUSP após a edição do AI-5. Até então, o CRUSP foi exemplo de organização e integração do meio universitário. Nós chegávamos a imprimir folhetos e distribuí-los no Alto de Pinheiros, para que a população fosse conhecer a Cidade Universitária e junta, levassem para lá o progresso. Com os tucanos, a Cidade Universitária fechou as portas para visita da população, nos finais de semana.
E agora, a comparação: naquela época, cada quarto tinha três moradores, com área de estudo individual, três camas e três armários, com um banheiro no apartamento. Hoje, o mesmo quarto abriga 7 moradores (mais um hóspede) com as camas de beliche. Não há Centro de Vivência, cujo espaço foi ocupado por uma lanchonete, farmácia, livraria e camelôs. Para tristeza de todos, a Universidade durante a administração tucana não aproveitou a experiência do passado, desprezou a organização dos estudantes e transformou o CRUSP no favelão da USP (diga-se de passagem que lá moram muitos estudantes de Pós-Graduação e futuros doutores da universidade).
O Governador do Estado, o senhor José Serra, que na época foi Presidente da UNE, está destruindo a autonomia da Universidade, rompendo o diálogo com os estudantes, ignorando a situação dos moradores dos alojamentos (ora caracterizado como pensão, ora como favela), numa demonstração clara de rompimento com o passado e provando que o discurso dos tucanos que na teoria já era ruim, na prática está piorando cada vez mais. E a prova disso, é que muitos colegas nossos que lá moraram, ocupou o cargo de pró-reitor de graduação, pró-reitor da cultura, pró-reitor de pós-graduação e prefeito da Cidade Universitária. Como se tornaram tucanos romperam com o passado e estão agindo na contramão da História, contribuindo para a degradação da mais importante universidade do país.
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