Entrevista com Adolfo Martins

Jornal da UFRJ, edição nº 19 • Agosto de 2006

Diretor fundador do jornal A Folha Dirigida. Repórter do jornal Diário de Notícias, que fez a cobertura por dentro da invasão do prédio da Faculdade Nacional de Medicina, na Praia Vermelha, em 22 e 23 de setembro de 1966.

Jornal da UFRJ: O que esse episódio do “Massacre da Praia Vermelha” representou naquele momento? Ele foi um marco para o resto da vida da população brasileira?
Adolfo Martins: Dizer que foi um marco para o resto da vida da gente é um exagero. Mas aquilo ali definiu uma vertente política dura. Invadir a Praia Vermelha ou não, naquela época, não era fundamental. Somente o era para os radicais que estavam dentro do poder e que queriam mandar um recado claro: “Daqui para frente, agora, vai ser na base da porrada”. Eu me lembro que o próprio Moniz Aragão, que era o ministro da Educação, acabou, de certa forma, respaldado pelo poder militar (ele era irmão do general Augusto César Moniz Aragão). Aquela invasão teve um papel político e depois vieram os desdobramentos. A minha avaliação, hoje, é sobre esse aspecto. Acho que o Aragão, como ministro, tinha que segurar, mas ele cedeu às pressões dos militares, até porque ele era parte da linha dura que estava no poder – o irmão dele era pessoa da linha dura.

Jornal da UFRJ: Como se comportaram as lideranças
estudantis diante da situação?
Adolfo Martins: As lideranças estudantis – Franklin Martins, Vladimir Palmeira, Anis Polaris e Aarão Reis – da UEE (União Estadual dos Estudantes) – que estavam lá, queriam o confronto, que era para desmascarar o processo ditatorial e aquele era um momento de queda-de-braço, que podia ter fim tanto por um processo de negociação ou pela violência. Lembro que o senador Mário Martins, que era um moderador, foi lá pra fazer um apelo para as pessoas saírem, que não valia à pena, mas as lideranças estudantis estavam intransigentes. Elas forçavam a negociação, mas estavam testando. Nos bastidores, eles esperavam uma reação. O próprio Mário Martins falou isso com clareza e ele tinha uma percepção política e devia estar sabendo o que acontecia nos bastidores. Hoje, isso não aconteceria mais. A juventude, com todo o respeito, decorrente de todo um processo, está muito alienada politicamente.

Jornal da UFRJ: O reitor da UFRJ, Pedro Calmon, não poderia
ter impedido a invasão da FNM?
Adolfo Martins: O Pedro Calmon foi destituído naquele episódio. Mais ainda, a autonomia universitária foi ferida de morte também. O que ocorreu? O ministro ligou para o Calmon dizendo que a partir daquele momento era com ele (com o ministro). Ou seja, destituiu o reitor. Até porque o Calmon ficava “entre a brasa e o espeto”. O Calmon era um liberal e ninguém podia acusá-lo de autoritário. As pessoas até brincavam que ele era como “durex”, enrolado e aderia com facilidade. Isso era uma maldade que faziam com ele. Imagino as pressões que deve ter recebido. Se dependesse do Calmon, não haveria a invasão. A polícia invadiu por mando do ministro. Eu acho que o Moniz, como ministro, poderia dizer que “Na universidade não entra”.

Jornal da UFRJ: Sua reportagem Minuto a minuto, para o Diário de Notícias relatou com detalhes o
acontecimento…
Adolfo Martins: Eu fiquei lá acompanhando. Num determinado momento, não entrava e nem saia ninguém
e, evidentemente, você, jornalista, chega lá, força a barra e sai. Eu resolvi ficar porque percebi que as coisas estavam quentes e não voltei para a redação. Na avenida Pasteur havia mil, dois mil policiais, não sei ao certo. Os estudantes chegavam ali, vaiavam, jogavam papel. Eles deixaram a tropa lá, a tarde inteira até de madrugada, perfilada. Quando chegou de madrugada, a tropa invadiu. Eles entravam naqueles laboratórios metendo o pé e quebrando tudo – não tinha ninguém nos laboratórios. A idéia era “arrebentar”, tanto assim, que no dia seguinte, eles fecharam a faculdade e a imprensa não teve acesso. E isso eu vi. Um negócio vandalístico”. E depois eles fizeram um “corredor polonês” e o pessoal tinha que passar por ele levando borrachada”. Do ponto de vista militar, você não tem mais controle. Deu a sorte de não sair morte. E as meninas? Eles enfiavam cacetetes entre as pernas das meninas, mas não faziam ali na frente, faziam para sacanear de forma mais discreta.

Jornal da UFRJ: E estes estudantes contavam com algum apoio da direção da escola ou da universidade?
Adolfo Martins: A gente viu na pesquisa que a Faculdade de Medicina tinha uma política bem diferente, com o diretor Leme Lopes. Uma política de ajudar os estudantes, diferentemente do Direito ou da Filosofia (lá isso não ocorria). A gente tentava ideologizar o processo. O movimento estudantil tinha três pernas: o Caco, a FNFi e a Faculdade de Medicina. Até pelo posicionamento geográfico, o que acontecia no Caco reverberava, e na FNFi também. A formação do Leme Lopes era humanista, psiquiatra, então confrontava mais com o regime. O Conselho Universitário tinha suas correntes mais liberais, mais conservadoras, o Hério Gomes (diretor da Faculdade Nacional de Direito) era o mais conservador. Assim, o Conselho tinha aqueles confrontos de idéias. Tinha um pessoal que era entranhado com os alunos e não concordava com o regime militar, mas não podia exteriorizar as coisas. Depois veio o AI-5 e endureceu. Não estou falando como analista político, mas como observador. Na Medicina, houve, pela primeira vez, nos bastidores, uma queda de braço entre a linha dura e a linha mais liberal, e a linha dura ganhou porque Pedro Calmon deixou de ser reitor.

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