Parte de entrevista realizada por Paulo de Tarso Venceslau e Ricardo Azevedo e publicada na revista Teoria e Debate, nº 20 — fevereiro/março/abril de 1993. A revista Teoria e Debate é uma publicação da Fundação Perseu Abramo.
Qual era a interpretação que vocês davam ao golpe?
V.P. Em 1966 percebemos que o golpe de 1964 era modernizante, que começava a fazer mudanças. A Universidade era ruim e os militares nos diziam: "Queremos mudar a Universidade, mas dentro de uma filosofia.." Descobrimos que tínhamos de ter uma proposta de Universidade, para mudar em outra direção. Defendíamos uma Universidade mais democrática, que fosse geradora de tecnologia, de cultura nacional. Na época tínhamos muito pejo em dizer que lutávamos pela reforma universitária. Dizíamos que queríamos uma revolução universitária. Na verdade, nós tínhamos um projeto de reforma e a ditadura, outro.
Nesta época começavam a se cristalizar diferenças na forma de enfocar o ME…
V.P. Achávamos que quem fazia a revolução e tinha a hegemonia era o proletariado. E que a pequena-burguesia era uma força que devia auxiliar e apoiar. O ME compunha a Frente Popular mas não podia liderá-la. A turma do [José Luís] Guedes, presidente da UNE eleito em Belo Horizonte em 1966, achava que o movimento estudantil tinha de ser a vanguarda e lançou o Movimento Contra a Ditadura, que devia envolver marinheiros, camponeses, soldados, operários e populares sob a liderança dos estudantes. Compreendíamos que isso era impossível. Depois de muita passeata fizemos uma concentração na Faculdade de Medicina do Rio. Ao final, em vez de sair, os estudantes decidiram ocupar a escola enquanto o reitor não atendesse às reivindicações. A faculdade tinha dois ou três andares e uma entrada lateral, de forma que, do alto, podíamos controlar, em tese, todo o movimento. O pessoal começou a fazer coquetéis molotov e preparar bombas de ácido. Criou-se um clima de radicalismo e a polícia cercou a faculdade. De madrugada, eles invadiram o prédio. Fomos nos refugiar no último andar, onde deveria ter ácido, pedra, mas não tinha nada. Eles fizeram a gente descer três andares apanhando, num corredor polonês. Era uma violência absurda: nego enfiava cassetete na vagina das meninas! Machista, fui proteger minha namorada e apanhei que nem boi ladrão, mas saí com a Ana. Prenderam uma porção de gente. Dos que participaram do chamado “Massacre da Praia Vermelhaa”, a grande parte nunca mais militou no movimento estudantil. Quem sobrou e decidiu continuar, virou quadro. Dali saiu a nata da militância que agüentou até 1968.
O movimento começava a amadurecer…
V.P. A partir dessa experiência de 1966, fomos compreendendo que o movimento estudantil tinha contradições objetivas com a ditadura e que a classe média tinha contradições objetivas com o capitalismo. Não era a mesma contradição da classe trabalhadora, mas tampouco era um movimento que se usasse de forma oportunista, como trampolim de acesso à classe trabalhadora. Nos distanciamos da concepção de utilização dos estudantes em nome da revolução e começamos a criar entidades representativas. Reorganizamos a UME. Derrotamos a influência do PC no Rio e entramos em conflito com o Guedes. Ganhamos o Primeiro Congresso da UME pós-64. Depois de muita pressão, o Daniel aceitou ser o presidente. Ele deu uma atenção especial ao Calabouço, que era um restaurante popular, onde, em tese, comiam os estudantes pobres mas, na verdade, comiam muitos estudantes e muitos pobres, que nunca estudaram e falsificavam carteirinhas para comer lá.