Ex-alunos da USP de 1968 se reencontram para reviver história

Informações sobre o encontro de moradores do CRUSP da década de 60

O Globo, 24 nov 2008
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SÃO PAULO - Ex-alunos da USP, moradores do Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp) entre 1963 e 1968, promovem encontro no próximo sábado, dia 29 de novembro, para marcar a passagem dos 40 anos da tomada e ocupação do local pelo Exército em 17 de dezembro de 1968, quatro dias depois da decretação do AI-5, o ato institucional do governo militar, que abriu o período mais repressivo do regime de 64. Mais de 500 ex-cruspianos já confirmaram presença no evento, cujo objetivo é promover o reencontro dos ex-moradores, possibilitar o compartilhamento de suas experiências de vida ao longo dos últimos 40 anos e dar início à recuperação e construção da história do Conjunto Residencial no período. O encontro será realizado, entre as 12h e 22h, no Colégio Notre Dame - Rua Alegrete, 168, Sumaré, em São Paulo.

O Crusp nasceu à fórceps. Projetado como conjunto residencial na Cidade Universitária para os estudantes da USP, só foi construído diante da necessidade de abrigar os atletas que participaram dos Jogos Pan-Americanos de 1963, realizados em São Paulo. Depois do encerramento da competição, foi invadido pelos estudantes para que cumprisse a finalidade para a qual fora projetado: abrigar alunos de fora da capital paulista sem condições de bancar sua moradia durante a duração de seus cursos.

Naqueles cinco anos iniciais de funcionamento o Crusp foi fonte inspiradora e alimentadora do movimento estudantil brasileiro e de vivências existenciais, culturais e políticas criativas, transformadoras e de contestação à repressão imposta ao país a partir de 1964, que desaguaram nas grandes manifestações de 1968. Durante todo o período passaram pelo Crusp em torno de 2,5 mil estudantes. No dia da ocupação pelo Exército cerca de 1,4 mil alunos moravam oficialmente no conjunto residencial, sendo que aproximadamente 800 estavam em seus apartamentos na madrugada de 17 de dezembro, já que muitos já haviam viajado para suas cidades de origem para passar o Natal e o Ano Novo com suas famílias.

O Exército mobilizou tanques e táticas de guerra, com soldados se deslocando de árvore em árvore, protegendo-se atrás de morretes e bancos de cimento, à espera de uma reação que não ocorreria. Todos os moradores se entregaram pacificamente e foram presos. Uns saíram rapidamente da prisão outros passaram longa temporada nela, quase sempre sem explicações. E trataram de reconstruir suas moradias pelos bairros de São Paulo, todos com grandes dificuldades, e continuar seus estudos. O tempo ajudou a maioria a superar as dificuldades, mas uns poucos sucumbiram ao brusco corte que o fechamento do Crusp representou em suas vidas.

Ao contrário do que se propagava e passou erroneamente para a história, os antigos moradores dizem que o Crusp era um espaço em que os moradores viviam como os demais estudantes, apenas gozando de mais liberdade e do privilégio de terem uma moradia a que não teriam acesso com seus próprios recursos. Ali estudavam, namoravam, jogavam baralho, freqüentavam o restaurante, a Banca da Cultura, o Bar do Crusp, dançavam nos bailes, praticavam esportes, assistiam e faziam teatro, shows, assembléias.

Sintonizados com o espírito da época, reivindicavam - e muito. E quando às suas reivindicações eram contrapostas negativas injustificadas tomavam a iniciativa de conquistá-las. Assim se deram as invasões dos blocos F e G, para abrigar estudantes aos quais se negavam vagas, da tomada do Instituto de Serviço Social da USP (Issu), por causa da deficiência de seus serviços, a tomada da lavanderia, a resistência à derrubada dos blocos, I,J e H, a participação intensa no movimento estudantil da época.

A vivência no Crusp, naquela época, deixou na maioria dos seus moradores, hoje na casa dos 60 a 65 anos de idade, já avós, quase todos com carreiras profissionais bem sucedidas, a lembrança de terem vivido em um espaço privilegiado, em um momento privilegiado, que marcou para sempre suas existências e o modo de ver o mundo. Foram beneficiários de um projeto de residência estudantil, posto em pé graças às suas próprias iniciativas e lutas, mas que um dia foi fechado arbitrariamente por um regime empenhado em sufocar a liberdade e nunca mais foi reaberto nos mesmos moldes, apesar do país viver há 23 anos em um regime democrático.

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