Manifesto em Defesa da UnB

Blog UnB Livre, 11 de março de 2008

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O primeiro semestre de 2008 se inicia e a Reitoria da UnB procura por todos os meios passar a idéia de um ambiente de normalidade. Longe disso, acreditamos que nossa instituição vive um dos momentos mais graves de sua história. Após o desgaste nacional irreversível da imagem do nosso Reitor, ligado a supostos desvios na FINATEC, descobriram-se irregularidades também na Editora e outros órgãos ligados à Reitoria já estão na mira da justiça devido a razões similares. O uso indevido das fundações de apoio à pesquisa, o favorecimento pessoal, a mercantilização da atividade acadêmica e o clientelismo parece contaminar a tudo e a todos.

Circula pelo Brasil inteiro a idéia de que os professores da UnB perderam a vergonha ou a capacidade de reagir: assistiram ao seu Reitor justificar o injustificável e passaram a admitir o inadmissível. A partir do que ficou estampado na imprensa, para todo o país, a população começou a colocar-nos no rol dos políticos que absolvem figuras corruptas e desmoralizadas. Até o dia da assembléia da ADUnB (20 de fevereiro de 2008), que aprovou as atitudes do Reitor, a crise atual estava confinada à administração; depois disso, passou a ser de toda a comunidade acadêmica, como se fôssemos todos coniventes com o uso discricionário da coisa pública e a banalização das prioridades da universidade pública e gratuita.

Queremos deixar claro que a maioria dos 154 professores que absolveram o Reitor são pessoas que exercem cargos na administração e nos órgãos a ela diretamente vinculados ou que recebem ou receberam benefícios de projetos que dependem diretamente desta administração. Esse grupo propôs absolver a Reitoria invocando uma chantagem política maniqueísta elementar: se condenamos os desmandos cometidos estaremos fazendo o jogo dos nossos grandes inimigos — segundo eles, a Rede Globo, Correio Braziliense, Folha de São Paulo e os senadores da CPI, todos pressionando pela privatização da universidade pública. Nossa resposta é cristalina: não é com o estilo de gestão de Timothy Mulholland e Edgar Mamiya que defenderemos a universidade pública. Pelo contrário, devemos lutar contra as tentativas de desmonte da vida universitária pública tanto fora como dentro do campus.

Por outro lado, é preocupante que o número de professores que estão se manifestando contra esse processo de declínio institucional seja ainda pequeno, comparado com o número total de docentes da UnB. Acreditamos que muitos que ainda não se pronunciaram, embora indignados, estão temerosos de algum tipo de retaliação. Afinal, esse recolhimento é resultado de um processo de desmonte dos mecanismos de participação e de autonomia que se iniciou há 10 anos. É penoso constatar que nossa universidade começa a distanciar-se perigosamente de seu digno passado de luta pela cidadania e pela democracia. E mesmo sua qualidade acadêmica periga: nos últimos 6 anos caíram os índices de vários cursos que antes eram de excelência e a administração procura abafar um assunto de tal gravidade com um forte investimento em publicidade institucional.

Vivemos um clima cotidiano de depressão e de intimidação. A mensagem subliminar que circula em todas as unidades, departamentos e centros é de que ou apoiamos politicamente a Reitoria ou nos expomos a retaliações, em geral manifestas pela indiferença e retardamento de atendimento dos pleitos acadêmicos, mesmo que sejam corretos e justos. Clientelismo aberto por um lado e punição velada por outro tem sido a linha adotada pela Reitoria nos últimos 10 anos. E foi a mistura desses dois princípios não democráticos — favorecimento privado e retaliação — que se evidenciou na última assembléia: os clientes compareceram ao chamado dos seus chefes e os não-clientes se retraíram, temerosos da punição anunciada pela truculência da tropa de choque da Reitoria.

O esvaziamento dos conselhos superiores é outro fato evidente do desmonte democrático da UnB. A decoração do apartamento do Reitor não passou pelo Conselho Universitário, órgão deliberativo máximo da instituição constituído por 60 membros, entre eles professores, estudantes e funcionários. Já o Conselho Diretor que aprovou o luxo escandaloso é presidido pelo Reitor e tem apenas 5 membros; um deles está lá há 12 anos e outro é um ex-Reitor de quem o atual foi chefe de gabinete. Na prática, esse Conselho funciona como uma ação entre amigos, esvaziado de transparência e impermeável à democracia representada pelos três segmentos da comunidade universitária.

O Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) também vem perdendo força progressiva: cursos novos são criados, concursos de professores são realizados, grandes convênios e projetos acadêmicos são firmados sem que o CEPE seja consultado. Ao invés de a comunidade acadêmica ouvir e deliberar, a Reitoria estabeleceu o sistema de negociações diretas com os institutos e as unidades. Somou-se a isso a negativa do Reitor em instituir uma Ouvidoria. Esse desmonte dos conselhos coloca os docentes em uma posição de grande vulnerabilidade que lembra os dias da ditadura militar: se a unidade escolher um representante de posições independentes, sofre sérios riscos de não ter seus pleitos atendidos.

Assim como o lugar ocupado pelo Grande Outro nos regimes totalitários, os nomes do Reitor e de seus enviados passam a ser invocados cada vez mais freqüentemente nas deliberações das unidades como lugar de referência e sentido em vez do nome dos conselhos apropriados. O resultado é uma pressão feroz nos colegiados por conformismo e adesão, o que leva uma grande parte dos docentes a concentrarem-se nos seus projetos individuais e se afastarem da participação na esfera pública acadêmica. Esse movimento de retração conduz inúmeras vezes a um estado depressivo, provavelmente generalizado neste momento na classe docente da UnB. Após 10 anos, esse sistema de intimidação velada começou a assumir uma aura de onipotência, como se a atual administração fosse um regime a eternizar-se na UnB.

O mesmo fenômeno que conduziu à quebra moral dos docentes (entre a retração temerosa e a cumplicidade sem ética) afetou também a categoria dos funcionários. Uma década de pressão para aderir politicamente à Reitoria em troca de pequenos favores certamente vem esfacelando a dignidade interna da categoria, fato agravado ainda mais pelo desestímulo devido à limitação de 15% na sua participação no processo eleitoral. Nós, docentes e servidores, teremos agora que lutar juntos para recuperar os nossos ideais de cidadania e mérito acadêmico.

A categoria dos estudantes é a nossa grande esperança neste momento. Apesar de desmobilizada no passado recente, é o único segmento que conseguiu evitar as pressões da Reitoria. Como no caso dos funcionários, não concordamos com os míseros 15% do total de votos a que estão condenados os estudantes da UnB.

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Acreditamos que somente reverteremos este quadro se nos unirmos todos no debate aberto e criarmos coragem para nos apresentarmos com argumentos e fatos concretos em defesa da UnB. É hora de mudarmos essa situação que nos agride como docentes e cidadãos. O caminho do silêncio, da cumplicidade não revelada, dos acordos secretos, da retração individualista e depressiva é o caminho que conduziu ao atual desmonte institucional e à perda de rumos que nos envergonha nacionalmente.

Propomos uma mobilização intensa e coordenada dos três segmentos para não deixar este semestre começar sob o signo da mentira ou da covardia, cúmplice da mentira. É preciso implementar mudanças urgentes para retomarmos a dignidade de nossa instituição em todos os planos — ético, acadêmico, de gestão institucional, de democracia e de justiça.

Algumas medidas que julgamos prioritárias

  • Afastamento imediato do Reitor enquanto durar o processo legal de apuração dos desvios de gestão cometidos.
  • Fim da reeleição para Reitor. Não é adequado para os ideais democráticos que uma mesma pessoa possa impor-se para controlar os destinos de toda a comunidade universitária por 16 anos seguidos (8 como Vice e 8 como Reitor).
  • Retorno imediato à paridade nas eleições para Reitor. Os mecanismos atuais de desmonte do processo democrático e de generalização do clientelismo começaram a partir da eleição de 1997, a primeira na proporção 70-15-15. Essa concentração do poder decisório nos professores desestimulou inteiramente os estudantes e os funcionários a participar mais efetivamente do processo eleitoral e permitiu à Reitoria concentrar sua estratégia de poder na submissão da mente dos docentes em troca de pequenos benefícios individuais ou de pequenos grupos. É importante lembrar que na grande maioria das universidades brasileiras a eleição é paritária, na proporção 1/3, 1/3, 1/3.
  • Transparência inteira e irrestrita de todos os convênios, projetos, pagamentos a pessoas físicas e jurídicas e situação financeira detalhada de todos os órgãos da UnB: FUB, FINATEC, FUBRA, Editora-UnB, CESPE, DATA-UnB, Laboratório de Estudos do Futuro, etc.
  • Recuperar o CEPE e o CONSUNI como as instâncias decisórias máximas da universidade e restringir o poder excessivo e discricionário que foi concentrado no Conselho Diretor.

Princípios que sustentam nossa luta pelo resgate da UnB:

  • A Reitoria deve aplicar-se primordialmente, através de um projeto acadêmico claro e explícito, à promoção e proteção da atividade fim da instituição: a transmissão e produção do conhecimento.
  • As Ciências e as Humanidades do século XXI só podem prosperar em um ambiente plenamente democrático e de transparência, onde prevaleça o sentimento que somos uma importante Casa do Saber de nossa cidade.
  • O controle social da gestão de todos os órgãos que operam no campus é condição imprescindível para alcançar esses objetivos em benefício da nação.

Assina este manifesto um coletivo autônomo de professores comprometidos com a UnB e abertos a adesões de colegas e aliados dos três segmentos (estudantes, funcionarios, docentes), independente de afiliação sindical ou partidária.

Francisco Pinheiro (CIC),
José Jorge de Carvalho (DAN),
Marcelo Hermes-Lima (IB),
Michelangelo Trigueiro (SOL),
Rita Laura Segato (DAN),
Rodrigo Dantas (FIL),
Vanner Boere Sousa (IB),
Vadim Varsky (MUS)


Para aderir a nossa causa basta nos enviar mensagem para moc.liamg|ervilbnu#moc.liamg|ervilbnu com seu nome completo e dados profissionais/estudantis.

As manifestações de apôio estão abertas aos cidadãos e cidadãs do bem de Brasília (que de uma forma ou de outra usufruem da UnB) e da comunidade científica nacional.

Comentários

Raquel Moraes

Prezado Marcelo Hermes,

Como professora do departamento de Planejamento e Administração da Faculdade de Educação da UnB, endosso tanto o posicionamento do meu departamento abaixo como o teor dsse Manifesto da UnB:

“Foi unânime a compreensão do departamento de que a UnB sofre uma crise institucional. Uma das causas dessa crise institucional, e das demais IFES, é sua privatização interna. Essa privatização pode ser identificada, dentre outras coisas, na existência de inúmeras Fundações privadas que imprimem uma lógica de mercado à educação e às relações instituicionais. Os processos decisórios são concentrados por uma minoria que os manipula em favor de interesses individuais cada vez mais sintonizados com o setores privatistas e não da comunidade, compreendida pelos professores, técnicos-administrat ivos e estudantes. A democracia, portanto, está longe de ser realidade na prática. Esses atores limitam-se aos discursos mas têm dificuldades de implementação. Como sugestão para a mudança institucional considerou-se ser necessário que esses atores, de fato, ocupem e dinamizem os espaços da gestão, sobretudo os superiores, além de alterar a estrutura administrativa, “o enredo”. E uma das condições para que isso aconteça, é que seja pautado nas reuniões dos Conselhos, sobretudo no CONSUNI. “

Att.

Raquel Moraes
PAD-FE/UnB

12 de Março de 2008 10:53

Médico aposentado

Parabéns pelo MANIFESTO, a UnB precisa de mais pessoas de coragem como vocês 8. Espero que mais pessoas assinem seu manifesto.

Não moro no Brasil. Sou um médico aposentado vivendo em UK, e certamente envergonhado do que se passa na UnB.

Morei em Brasilia nos anos 80.

22 de Março de 2008 03:20

Anônimo

Represárias? Acho que isso não acontece aqui na UnB!!!

Nós da Química já estamos sendo perseguidos, por causa de uma carta séria, não inflamada, que pede a apuração dos fatos!!!

Agora o reitor já disse que os problemas do nosso futuro prédio (que não são poucos) Infintrações, rede elétrica subdimensionada…ausência de capelas…são questões de persiquição política ao ilustre reitor e não problemas de infraestrutura!!!!

E ele atacou pesado os professores da química em relação ao prédio somente por causa de uma carta que solicita a apuração dos Fatos.

Se eles são falsos, então deixem que sejam apurados!!!!Mas parece que as pessoas estão com medo disso

Eu gostaria e muito de assinar junto com a liga da justiça, mas sou coverde e já me sinto prejudicado pelas poucas palavras que disse…

Represárias? Acho que isso não acontece aqui na UnB!!!

E você o que acha?

23 de Março de 2008 04:55

Cinco signatários do Manifesto

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Dia do lançamento do Manifesto em Defesa da UnB, 12 de março de 2008.

Na foto, de pé, os professores José Jorge, Francisco Pinheiro, Michelangelo e Rodrigo Dantas. O Prof Marcelo está agachado. Todos muito felizes (clicar na foto para ampliar)

Naquele dia, a Profa. Rita estava na Argentina. O Prof. Vanner estava dando aula, e o Prof. Vadim, regendo um grupo de música.

Somos os 8 escritores do Manifesto, e aguardamos o apôio do maior número possível de pessoas.

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