CARTA ABERTA À COMUNIDADE UNIVERSITÁRIA
O intento destas palavras é aquele de encetar um esforço intelectual na direção do entendimento de um movimento da realidade. A este arrazoado não é dado apreender o todo, senão que procura gerar um diálogo que possa se adensar aproximando- se assim de uma totalidade, de uma pluralidade e, quem sabe de uma universidade. Portanto, busca contribuir com o necessário processo de democratização.
Formas, já históricas, de protestos e reivindicações, as ocupações são ditas ações radicais diante do autoritarismo, inscrevendo- se assim como um piquete grevista. As ocupações exigem tomadas de posição e configuram transformações tanto sociais, quanto pessoais e até mesmo institucionais.
Enquanto processo educativo de formações sociais, elas costumam ocorrer planejadas de maneira clandestina, portanto, como o cuidado dos petit comitês de pessoas e organizações de confiança mútua. Desse ponto de vista, como propulsoras de processos educativos não-formais promotores da transformação social, pode-se definir que ocupações são ações culturais que instituem uma novidade em relações já cristalizadas.
Entretanto, apesar de um planejamento centralizado da ação cultural, a dimensão da mobilização de massas que devem apoiar a ocupação também ganha centralidade. Assim, uma rede de informações e contra-informaçõ es passa a ser disseminada com o fim de sensibilizar e motivar possíveis apoiadores e simpatizantes. Parece óbvio que esse difuso processo de disseminação prévia da ocupação também atinja possíveis antagonistas, que passam, em sua sanha de denunciar a radicalidade oposicionista à ordem vigente, a difundir ainda mais o processo de mobilização. Ou seja, ressaltar as contradições predispõe o espírito para possíveis transformações, e isto é profundamente educativo, tanto em sua sutil intencionalidade, quanto nos processos de explicitar os ruídos da comunicação e nos produtos alcançados pela mobilização das massas.
Em seguida, é necessário evidenciar a têmpera dos sentimentos, imbricados aos pensamentos e à argumentação em disputa, que o ato mesmo do ocupar promove nos próprios ocupantes, ainda que, em menor escala, promova também naquelas pessoas que permanecem no entorno. O certo é que as pessoas que se envolvem em uma ação cultural de tal monta se modificam e, possivelmente, se tornam pessoas com maior capacidade de expressão, com uma experiência de vida diferenciada e, como afirmou o educador popular Paulo Freire, o fato de identificar e vivenciar uma situação-limite abre as pessoas a encontrarem o inédito-viável que orienta ao futuro. Isto é, tornam-se cidadãs e cidadãos dispostos à luta contra as desigualdades sociais. Isto também é intensamente educativo.
Qualquer um de nós pode imaginar o que é passar dias e noites em uma situação de desconforto e insegurança. O fortalecimento do caráter e da resistência é fenomenal! E, afirma-se que uma dimensão estruturante da condição do popular vem a ser a resistência cultural. Portanto, quem se predispõe a participar de uma ocupação cria fortes vínculos com a cultura e educação populares. Reconhece em si mesmo a força da opressão e se converte a uma pedagogia do oprimido.
O mestre maior da farsa, o dramaturgo alemão Bertold Brecht, insistiu que todos dizem violentas as águas revoltas de um rio, mas poucos afirmam violentas as margens que o comprimem . A idéia em seu contexto de criação e combate social diz que uma ação cultural pode ser representada enquanto um drama da vida real, entretanto, a chave de sua expressividade e dos possíveis caminhos a se abrirem consiste em demonstrar a farsa da própria representação. A hipocrisia afirma a violência da ação cultural para poder representar o papel de pacificadora. Aí está um dos vigores da farsa: a utilização da violência simbólica se faz em nome da defesa da ordem sem nem mesmo considerar outras possibilidades formativas para canalizar as forças rebeldes. Ou seja, o caráter punitivo conduz ao silenciamento e à subalternizaçã o de outros interesses que não aqueles da dominação e da opressão. Esta é a doutrina do império que a tudo subordina: disciplinar toda e qualquer dissidência! E o risco pior: um império da mediocridade!
Da juventude se pode esperar o intempestivo, mas da adultez há que se esperar a sabedoria e a tolerância com as gerações futuras. Educar não é apenas demonstrar como funcionam as regras vigentes. Educar é também acolher os projetos juvenis e, mesmo que por linguagens diferentes, selecionar os potenciais de transformação e novidade de possíveis outros mundos. Além disso, educar é cuidar para que o outro, a alteridade e ou a diferença, por mais radical que seja, conquiste plena liberdade de expressão.
Diante deste pequeno libelo, indica-se e sugere-se que esta UFV, enquanto instituição educativa, e por conseqüência, outras organizações da sociedade civil sediadas neste domínio público, envidem imediatos esforços na direção da retirada dos processos jurídicos movidos contra pessoas que porventura tenham participado de ações culturais tais como as aqui apontadas.
Professor Willer A. Barbosa
Doutor em Ensino e Formação de Educadores - UFV
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