
Por quatro dias, estive no coração da reitoria ocupada da USP. Nas horas que passei junto de estudantes e servidores, pude observar um movimento que, apesar dos problemas naturais de uma ocupação, tem agido de modo organizado, criterioso e bastante resoluto. Ao contrário do que tem sido martelado pela imprensa, os estudantes NÃO passam a maior parte do tempo jogando bola e carteado no interior da reitoria. Na maioria das vezes ele estão, isso sim, envolvidos em atividades diretamente relacionadas a ocupação, como produzir cartazes, folhetos, preparar comida, vídeos, assembléias, reuniões, faixas.
Diferente de Bóris Casoy, possa afirmar que os estudantes NÃO são invasores. Não são corpos estranhos se apoderando de um espaço que não lhes pertence. Pelo contrário, os ocupantes da reitoria da USP são alunos da própria USP. Portanto, ocupar aquela reitoria é se apropriar de algo que foi feito para eles. Afinal, a razão da existência de uma universidade são seus estudantes. Quem melhor do que alunos e funcionários da USP, que vivem o cotidiano daquela instituição e que portanto conhecem seus problemas por dentro, para afirmar tão enfaticamente que os decretos de Serra ferem a autonomia universitária? Quem tem maior autoridade para dizer o contrário? A mídia com seus âncoras e articulistas?
Com exceção da mídia alternativa, grande parte dos veículos de comunicação tem agido de forma cretina para com o Movimento. Referem-se aos manifestantes como "baderneiros" (termo que faz os reacionários revirar os olhinhos de prazer), "arruaceiros", "bando", "grupelho". Manipulam imagens como no caso da VEJA SP do dia 30 de maio, cuja capa traz uma fogueira em primeiro plano e o prédio da reitoria ao fundo, com o título "Caos na USP", como se os manifestantes estivessem incendiando o edifício. Parecem querer convencer a opinião pública de que o governo do estado precisa agir com rigor policial para deter os tais "baderneiros" antes que a reitoria seja destruída. E que ninguém se engane, são muitas as viúvas da ditadura em São Paulo, e na própria USP, que sentem saudade dos blindados nas esquinas e que adoraríam um revival dos anos 70, com o coronel Erasmo Dias comandando a tropa de choque contra estudantes "esquerdistas".
Não é a toa que os estudantes estejam barrando essa imprensa corrupta logo na entrada da reitoria. Uma atitude bastante salutar por parte do Movimento, eu diria. Vou mais além. Acho que não deveríam mais dar declarações ou entrevistas a qualquer veículo da mídia corporativa. Quem desejasse saber a respeito das decisões do Movimento, que acompanhasse seu órgão oficial, o blog da ocupação. Eu que sempre fui um crítico do movimento estudantil, imobilizado nos últimos tempos por interesses partidários, ví com satisfação que a ocupação goza de certa independência. Os partidos, claro, estão também presentes alí, mas não são eles que estão no controle, certamente. A impressão que tive foi de uma auto-gestão nos moldes anarquistas, uma Zona Autônoma Temporária talvez. A verdade é que respirar aquela atmosfera de levante estudantil por alguns dias, lavando algumas louças para os estudantes, criando charges, colando cartazes, desenhando faixa, comendo a mesma comida, me fez um bem danado. Me fez sentir um pouco estudante, apesar de nunca ter frequentado bancos de universidade. Me fez sentir um pouco parte de um movimento estudantil que parece ressurgir mais livre, forte e combativo.
Deixo aqui expresso meu agradecimento à estudantes e funcionários da USP pela maneira como acolheram à mim e ao meu trabalho, aos que colaboraram comigo seja com idéias para charges, seja com uma carona, ou mesmo uma caneca de chocolate quente. Obrigado, muito obrigado pelo seu carinho. Contem com minha solidariedade, meu respeito e meu apoio. E digo à voces o que costumo dizer aos palestinos: minha arte é sua arte.
Na luta, sempre!
Com carinho,
Carlos Latuff
Cartunista
Rio de Janeiro, 6 de junho de 2007