REUNI ou DESUNI?

Globo online, 15 de junho de 2007
Por Luis Paulo Vieira Braga1

A administração pública no Brasil é uma das maiores vítimas das lutas político-partidárias que se desenvolvem no país. Freqüentemente vista como meio para alcançar determinados objetivos, sejam eles financeiros ou ideológicos, prima pela falta de continuidade e instabilidade. Diagnósticos feitos sob medida para alçar aos céus uma nova rotina e curto-circuitar as existentes, se sucedem a uma velocidade que excede em muito o limite do bom senso. Esse processo barbárico é envolvido em um amplo esquema de marketing que estigmatiza qualquer crítica como conservadora ou ultrapassada. O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) lançado pelo Governo Federal em Abril deste ano, não foge à regra. Um enorme painel de programas que vão desde a instalação de energia elétrica nas escolas, passando pela distribuição de óculos, até a fixação de recém-doutores.

É exatamente um dos programas do PDE, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), criado pelo decreto presidencial 9.096, em 24 de Abril de 2007, que está provocando muita inquietação entre os professores nos departamentos acadêmicos da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ao indicar em seu Artigo 1º as metas do programa, não deixa dúvidas sobre acondições que devem ser obedecidas, desqualificando-se, assim, as declarações suavizadoras de alguns dirigentes empenhados em implantar o programa a qualquer custo. O Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CONSUNI) aprovou uma resolução que , corretamente, pretendia promover um debate sobre a propriedade ou não do REUNI e as linhas mestras a serem estabelecidas. Entretanto, a Portaria do Reitor que formalizou a existência dessa Comissão alterou o seu caráter, o que foi denunciado pelo Prof. Roberto Leher em artigo recente.

De catalizadores da discussão, os integrantes da Comissão passaram a missionários do REUNI, promovendo uma primavera de projetos de cursos novos, de aumento de vagas e implantação de ciclos básicos por Centro, à margem do marco legal estabelecido pelo Conselho de Ensino de Graduação que disciplina a formulação do Projeto Pedagógico e organização curricular dos cursos de Graduação da UFRJ. Dizendo-se premidos pelos prazos, artificialmente, criados pelo Governo Federal, os operadores do REUNI na UFRJ promovem um verdadeiro rolo compressor nos colegiados de unidades e congregações em busca de apoio a algum vestígio de projeto que possa ser encaixado na forma do decreto 9.096. Digo vestígios, pois nem processos estão sendo corretamente instruídos para amparar as propostas dentro do marco de legalidade convencionado até então nesta universidade. O informe seguinte do representante de professores na Congregação do Instituto de Matemática ilustra a fragilidade da dinâmica adotada - a consulta aos professores adjuntos e associados sobre a criação do Bacharelado em Ciências da Natureza e Matemática teve 30 votos contrários e 12 votos favoráveis. Com isso os dois representantes dos adjuntos/associados seguiram o resultado da consulta e votaram contra a proposta na Congregação do IM (órgão máximo deliberativo do IM). O resultado final na Congregação foi a aprovação das linhas mestras da proposta, que permitem dar uma direção ao projeto. Praticamente todo o detalhamento do funcionamento do curso ( por exemplo: disciplinas, critérios para transferência dos alunos entre os cursos etc ficou para ser discutido ao longo dos próximos meses.

Ora esse procedimento está em flagrante contradição com os incisos III e VI da resolução do CEG citada acima. Em especial o inciso III aponta a necessidade de se assegurar os recursos materiais e humanos para viabilizar o curso, assegurando assim que os benefícios orçamentários se destinem aos que os necessitam e o inciso VI garante o padrão de qualidade , agindo como antídoto à criação de cursos voltados para alunos com pretensões intelectuais abaixo da média que se tem praticado na UFRJ. O fato do CONSUNI e do CEG, tacitamente, aceitarem a alteração do processo de formulação de projetos pedagógicos não cria automaticamente jurisprudência. É necessário que tanto um colegiado, como o outro assumam perante a comunidade universitária que estão mudando tanto a resolução que instituiu a comissão de alto nível para o REUNI, como a resolução 02/2003 do CEG, pelo simples fato de que não se pode conviver com a norma e o descumprimento da mesma, nem com a contradição entre a palavra e a ação.

As tautologias expressas nas diretrizes do REUNI não incomodam a ninguém, reduzir a evasão, oferecer mais vagas, facilitar a composição de novos currículos, entre outras, merecem a atenção dos dirigentes e do corpo de docentes, discentes e técnicos administrativos da universidade. Mas a reforma pretendida parece mais orientada a melhorar índices sobre a realidade acadêmica, do que a realidade acadêmica propriamente dita.

Reduzir a evasão transferindo evadidos de um bacharelado mais exigente para um mais fácil, ou encurtar a duração de um curso antes que os alunos vão embora, não parecem ser, exatamente, soluções de base, mas sim artifícios cosméticos do gênero — tudo está bem, se termina bem. E terminar bem significa ter dinheiro em caixa, e é dessa ilusão que se alimentam estas e outras propostas de gestão da administração pública, como se empreendimento privado fosse. Nada impedia que o governo federal alocasse 20% a mais no orçamento do MEC e fosse aprovando os projetos REUNI a medida que chegassem.

Ao condicionar a apresentação imediata de projetos, ao encaminhamento orçamentário, o executivo praticamente impôs um paradigma — as universidades federais devem seguir o exemplo das universidades particulares: oferecendo cursos acessíveis aos alunos egressos do ensino médio público, aprovando de uma forma ou de outra a maioria desses alunos; contratando mais professores em tempo parcial e com menos qualificação; buscando financiamento no sistema produtivo através da prestação de serviços; e assimilando os campi universitários ao espaço urbano, descaracterizando-os assim como entidades autônomas.

Unless otherwise stated, the content of this page is licensed under Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivs 3.0 License